reportagem especial

Em Santa Maria, modelo de ciclovia vai 'do nada a lugar algum', diz especialista

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Fotos: Pedro Piegas (Diário)

Apesar de o Plano Diretor de Mobilidade Urbana de Santa Maria prever mais espaço para os ciclistas, a realidade nas ruas da cidade é diferente do planejado: além de dividir espaços com os carros nas vias, as ciclovias da cidade não conectam um lugar ao outro. Enquanto o plano de mais pistas de bicicletas não sair do papel, quem sofre, são as pessoas que trocam outras formas de locomoção pela magrela. Em uma reportagem especial, o Diário fala do cotidiano de quem pedala por Santa Maria e as soluções apontadas por especialistas. 

Independentemente de ser ciclovia ou ciclofaixa (que é quando há separação do trânsito por meio de uma faixa), o enredo e o contexto são os mesmos: espaços que se limitam a ir do nada a lugar algum. Ou seja, elas estão situadas em poucos espaços (avenidas e ruas) e não contam com uma ligação entre si.

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A falta de continuidade e o mal planejamento dão o mote desses modais que estão em caráter embrionário na maior parte dos municípios e, entre eles, se inclui Santa Maria. O engenheiro civil e doutor em Transportes João Fortini Albano exemplifica a regra:

- O que se tem, em tema de ciclovia e ciclofaixa, são pedaços que não resolvem. Em geral é aquilo: um pedaço aqui e ali, mas que, logo ali adiante, termina. Ou seja, é do nada a lugar algum. E aí vem o tráfego perigoso e compartilhado. Onde invariavelmente prevalece a lógica de luta por espaço e a lei do mais forte. Aí nessa selvageria, não há ganho, seja do lado que for.

O que é vivenciado no dia a dia pelo trabalhador Everton Luiz Correa (foto), 55 anos, que há 40 faz da bicicleta o meio de transporte de casa para o trabalho e vice-versa. Morador do Bairro Tancredo Neves - onde o Plano de Mobilidade Urbana prevê uma rede integrada de ciclovia -, ele pega diariamente a BR-287, a Faixa de São Pedro do Sul, e sabe os riscos do que é o chamado espaço compartilhado (onde não há ciclovia ou ciclofaixa).

- Eu saio todos os dias às 4h e te digo que é sempre um perigo. Tem que estar atento, porque a bicicleta não é respeitada - resume o trabalhador que vende lanches à beira da rodovia.

O também morador da Tancredo Neves Arlindo Thomaz Flores de Oliveira, 30, cruza todos os dias pelas BRs 287 e 158 (a Faixa de Rosário) e afirma "que todo dia é um susto diferente" e diz não perceber uma "preocupação dos demais motoristas com quem anda de bicicleta". 

CIDADE NÃO ESTÁ PREPARADA PARA MOBILIDADE URBANA HUMANA
As cidades ainda são pensadas para os carros e, sendo assim, cabe ao poder público buscar soluções criativas e condizentes com os novos tempos. Santa Maria tem, ao menos, o mais importante: uma bússola que é, nesse sentido, o Plano Diretor de Mobilidade Urbana.  

Então, em tese, o documento norteador desse processo de modernização, os gestores contam. Mas por que há tanta dificuldade em fazer com que tenhamos ruas mais estreitadas para a construção de calçadas mais alargadas e espaços integrados de ciclovias e de ciclofaixas?

Com a prática e a vivência de quem pedala diariamente, o engenheiro civil e superintendente da Secretaria de Mobilidade Urbana, Marcelo Rossés, diz ser normal que parte da sociedade se mostre receosa frente às mudanças que o plano traz. Até porque o projeto envolve mudanças radicais, complementa.

- É próprio do ser humano o receio e, às vezes, até certo medo frente ao novo e quando há mudanças no horizonte. E quando se fala em priorizar o pedestre e as bicicletas, por exemplo, se deixa obviamente de ter o carro como o centro das atenções. E isso impacta o ir e vir dos carros e também em áreas de estacionamento existentes. Santa Maria ainda não está preparada para uma mobilidade urbana humana. Veja o caso da Rua Dr. Bozano em que se tentou priorizar o pedestre, com a retirada do estacionamento, o que se viu foi um movimento para desconstruir o que fora proposto. Mas temos de seguir nesse sentido: o de priorizar o pedestre.

Rossés adianta que tanto para viabilizar uma ciclovia ou uma ciclofaixa é vital promover mudanças no sistema viário. O que, na prática, implica em retirada de estacionamentos ou restrição no fluxo de veículos - sendo que, por vezes, até os dois podem ocorrer.

- Hoje, Santa Maria não tem nada. O que se tem, em termos de espaços para esses modais, está na Avenida Helvio Basso, que é, de certa forma, compartilhada. Ali, por exemplo, tu percebes bicicletas e pedestres caminhado e praticando atividades físicas. E, depois, há (ciclovia) no Boi Morto (junto ao Trevo dos Quartéis) e na Avenida Maestro Ribas. São insuficientes - pontua o engenheiro.


Ao avaliar a conjuntura da mobilidade da cidade, Rossés cita que a UFSM é um case exitoso em termos de ciclovia e de deslocamento por duas rodas:

- Na universidade, temos uma ciclovia totalmente conectada com todos centros de ensino da UFSM. Ali se teve um projeto, inicialmente piloto, e que se mostrou acertado.

O professor da UFSM e doutor em Transportes, Carlos Félix, acompanhou a gênese do plano e sintetiza os ganhos que a sociedade terá com sua implementação:

- O enfoque vai além das ciclovias e visa enxergar o uso da bicicleta dentro do contexto urbano existente, para atender as necessidades dos ciclistas. As estratégias de desenvolvimento dos transportes devem favorecer o uso de diversos modos de transporte, possibilitando a intermodalidade e facilitando a transferência de modos e visando sempre a otimização de qualidade, tempo e custo.

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